Áudio de vítima de feminicídio relata que policial orientou resolução não judicial pois ex-marido era ‘pessoa pública’

Áudios enviados para a família pela estudante Rayssa de Sá, vítima de um feminicídio na quinta-feira (21), revelam que ela foi desencorajada por um escrivão da Polícia Civil a procurar uma solução judicial para recuperar roupas e documentos que estavam na casa que dividia com o secretário de comunicação de Belém, Betinho Barros, ex-marido dela, que tirou a própria vida após matar Rayssa a tiros.

“Mãe, olha, já saí da delegacia, agora eu vou lá para a Defensoria Pública. Peguei minha identidade agora, porque Pedro ficou me enrolando, me enrolando, puxando assunto, dando conselhos, falando, falando… Ele disse que acha que eu consigo pegar essas minhas coisas de uma forma que não seja judicial, que eu fale com alguém da família dele para buscar, algo assim, se não resolver, aí eu vou com a polícia, mas ele disse para eu tentar resolver assim, porque ele é uma pessoa pública”, disse Rayssa.

 

De acordo com a família, Rayssa procurou a delegacia de Belém para pedir ajuda para recuperar o material depois de registrar um boletim de ocorrência na Delegacia Especializada da Mulher, em Guarabira, na mesma região, onde denunciou ameaças feitas por Betinho.

Através da assessoria de imprensa, a Polícia Civil da Paraíba informou na segunda-feira (25) que vai apurar supostas irregularidades por parte de algum servidor em todo o processo envolvendo Rayssa e Betinho. O Pedro, citado por Rayssa, seria escrivão.

“A Polícia Civil adotou todas as providências para o caso, providenciando, inclusive, a Medida Protetiva uma semana antes que ela viesse a ser morta pelo ex-marido. Frise-se, ainda, que foi oferecido a Raysa um reforço em sua segurança, por meio da Patrulha Maria da Penha, mas ela preferiu não ser enquadrada no programa de proteção”, diz a nota da polícia.

Histórico de violência

 

Betinho Barros ameaçou matar Rayssa de Sá por mensagem de texto antes do feminicídio — Foto: TV Cabo Branco/Reprodução

Betinho Barros ameaçou matar Rayssa de Sá por mensagem de texto antes do feminicídio — Foto: TV Cabo Branco/Reprodução

Ainda no áudio enviado para a mãe, Rayssa denunciou que a Polícia Civil já havia identificado um histórico de violência por parte de Betinho Barros, em relacionamentos anteriores. A jovem relatou que o mesmo escrivão, Pedro, havia conversado com outras pessoas em Belém, que relataram os casos.

“Ele já falou com o pessoal de Belém para saber tudo sobre isso, e ele ainda soube que esse caso de violência de Betinho ficar batendo nos outros é antigo já, entendeu? Disseram que já tem um boato de que ele bateu na ex-mulher dele e tudo”, disse Rayssa.

Acusado de matar Rayssa de Sá debocha quando vítima afirma que vai pedir medida protetiva — Foto: Reprodução: TV Cabo Branco

Acusado de matar Rayssa de Sá debocha quando vítima afirma que vai pedir medida protetiva — Foto: Reprodução: TV Cabo Branco

Acusado prometia acabar com as agressões, mas nada mudou

 

Remysson de Sá, irmão de Rayssa, explicou que a relação do casal começou tranquila, mas com o tempo foi evoluindo para agressões verbais até começarem as agressões físicas. A vítima decidiu pedir o divórcio e voltar para a casa dos familiares após uma agressão que a deixou inconsciente.

A mãe de Rayssa, Denúbia de Sá, disse que a estudante fez várias tentativas para acabar o relacionamento com Betinho de Barros, mas ele ameaçava tirar sua própria vida e prometia que iria acabar com as agressões.

“Ele fazia promessas, dizia que ia mudar, que (as agressões) não iam se repetir, mas foi ficando cada vez mais intenso”, afirmou a mãe.

Rayssa cursava Direito na Universidade Estadual da Paraíba, no campus de Guarabira. A família da estudante acompanhava a vítima até ao local e nunca deixava ela sozinha em casa. Segundo a mãe de Rayssa, as ameaças se estendiam para dentro da instituição.

“Quando ela começou a estudar, ele começou a dizer que ia para a faculdade ficar de olho nela, qualquer coisa matava ela lá”, relembrou a mãe.

Medida protetiva foi expedida uma semana antes do crime

 

A vítima denunciou e pediu medidas protetivas contra Betinho Barros no dia 13 de setembro, na Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de Guarabira. A vítima recebeu ligações e mensagens com ameaças até mesmo durante o registro da denúncia.

medida protetiva de urgência solicitada por Rayssa foi atendida no dia seguinte, dia 14 de setembro. O juiz determinou o afastamento do acusado do lar ou local de convivência da vítima, proibindo que ele se aproximasse da vítima e estabeleceu um limite mínimo de 200 metros. Betinho Barros também foi proibido de manter contato com a vítima por meio de ligações telefônicas e envio de mensagens por celular (SMS), e-mail e outras.

Segundo a secretária da mulher, Lídia Moura, a medida protetiva é eficaz e salva vidas. “Alguns agressores, quando os juízes e juízas determinam, eles se afastam, outros não. Para isso nós temos alguns programas que vão fazer o acompanhamento dessas mulheres”, explica a secretária. Um dos programas de monitoramento é a Patrulha Maria da Penha, que faz rotas de monitoramento e realiza visitas ao local onde a vítima está.

Rayssa Kathylle já havia solicitado medida protetiva contra o esposo. — Foto: Pedro Júnior

Rayssa Kathylle já havia solicitado medida protetiva contra o esposo. — Foto: Pedro Júnior

No caso de Rayssa de Sá, a secretária afirma que respeitou a “autonomia da mulher”. A vítima teria conhecido a Patrulha Maria da Penha, mas não assinou a documentação necessária para ser inserida no programa.

A secretária também destaca que após o descumprimento da medida protetiva, até mesmo por WhatsApp, é importante que a vítima procure a polícia, porque o descumprimento resulta em prisão.

“É importante destacar que essa pessoa tem vários descumprimento. Ele descumpriu a medida protetiva, era uma autoridade do município e tinha o dever de combater a violência, então tem mais um erro aí. É uma pessoa que ameaçou e foi ao extremo, que retirou a vida de uma mulher”, afirmou a secretária.

G1