Estudos apontam que 10 milhões de pessoas sofrem de algum tipo de transtorno alimentar no Brasil. O percentual é ainda maior no mundo. Pelo menos 30% de meninas entre 6 e 18 anos sofrem do mesmo problema.
Os dados apontam que isso se deve, principalmente, em razão da busca incessante por um corpo ideal, em conformidade com padrões estéticos muitas vezes inatingíveis. Isso tem se mostrado um desafio crescente para a saúde mental e física de muitas pessoas, especialmente entre os jovens.
Transtornos alimentares como anorexia e bulimia nervosa refletem através de distúrbios psicológicos na relação disfuncional entre a comida e o corpo, desenvolvendo assim transtornos alimentares provocando uma série de complicações, entre elas a vergonha de se expor, consequentemente a negação ao próprio corpo.
Essa era uma realidade vivenciada por Bárbara Leite*, uma jovem de 22 anos. Aos 10 anos, ela passou a não reconhecer seu próprio biotipo. Considerava-se acima do peso, embora tivesse apenas 30 quilos, o ideal para seu tamanho e idade.
Eu me sentia com 100 quilos, exageradamente feia, além de muitas outras situações que só pioravam meu estado mental, como meu sorriso, que precisava de aparelho. Aquilo era um gatilho para eu parar de comer.
Diante daquilo que, aparentemente, era feio para Bárbara, a solução encontrada pela jovem foi parar de comer, e assim começou o longo processo até o diagnóstico de anorexia. A trajetória não foi fácil de superar, pois, além da falta de conhecimento da família para identificar que Bárbara precisava de ajuda, a menina perdia peso de forma considerável até ser levada ao hospital por desnutrição.
A anorexia nervosa é caracterizada pela restrição extrema da ingestão de alimentos, uma preocupação obsessiva com o peso e uma percepção distorcida da própria imagem corporal. As pessoas com anorexia frequentemente acreditam que estão acima do peso, mesmo quando estão severamente desnutridos.
Entenda a diferença de anorexia nervosa e bulimia
“Na anorexia, a pessoa pode sentir fome, mas conscientemente para de comer”, explica a Dra. Gabriela Pessoa, psiquiatra especializada no tema. “A perda de peso é severa e a distorção da imagem corporal é evidente, mas a pessoa continua a evitar alimentos.”
Por outro lado, a bulimia nervosa é caracterizada por episódios de compulsão alimentar seguidos por comportamentos compensatórios, como vômitos autoinduzidos ou uso excessivo de laxantes. “Na bulimia, os indivíduos têm episódios de compulsão alimentar e utilizam métodos como vômitos para evitar o ganho de peso”, afirma a psiquiatra. “Esses mecanismos compensatórios são uma resposta à percepção distorcida do corpo e a uma insatisfação crônica com a própria imagem.”
Quando a bulimia causa distorção na “visão” do próprio corpo
Um dos transtornos mais comuns associados à imagem corporal é o Transtorno Dismórfico de Imagem (TDI), no qual a pessoa desenvolve uma percepção distorcida de seu próprio corpo, buscando métodos agressivos para alcançar o “corpo ideal”.
Transtornos alimentares como a anorexia nervosa e a bulimia nervosa representam formas extremas de relação disfuncional com a comida e o corpo. Enquanto na anorexia há uma recusa persistente em comer, mesmo com perda de peso grave e distorção da imagem corporal, na bulimia ocorrem episódios de compulsão seguidos de métodos para evitar o ganho de peso, como vômitos e uso de laxantes.
A distorção da imagem causada pelos transtornos é uma doença, é neuroquímico mesmo, uma alteração no cérebro que faz com que a pessoa não enxergue a realidade”. Ela vê a imagem distorcida e, por mais que o médico fale, por mais que a mãe da pessoa ou qualquer pessoa em quem ela confie diga o contrário, como ‘não, você já está magra o suficiente’, para aquela pessoa isso não entra.
Dra. Gabriela Pessoa, psiquiatra
As redes sociais são fortes influenciadores para transtornos alimentares
Os transtornos alimentares não surgem isoladamente; eles são frequentemente influenciados por uma combinação de fatores genéticos, psicológicos e socioculturais. A Dra. Gabriela Pessoa destaca que a cultura e os padrões sociais desempenham um papel significativo.
A anorexia está muitas vezes relacionada a uma cultura que valoriza a magreza extrema. É comum ver essa condição em atletas de alto rendimento e modelos que são expostos a padrões estéticos rígidos.
A influência das redes sociais é particularmente relevante. As mídias digitais promovem padrões de beleza muitas vezes inatingíveis, exacerbando problemas de autoestima e contribuindo para o desenvolvimento de transtornos alimentares.
O tempo de tela e a exposição a padrões de beleza irreais têm um impacto significativo na saúde mental dos jovens. Quanto mais tempo uma pessoa passa exposta a esses padrões, maior o risco de distorções na imagem corporal e no desenvolvimento de transtornos alimentares.
A Dra. Brenda Maiara, nutricionista, também aborda o impacto da mídia, afirmando que “a mídia e as redes sociais criam um padrão de corpo perfeito que simplesmente não existe. Isso afeta a percepção corporal e pode levar a comportamentos alimentares prejudiciais. O importante é focar em ter um corpo saudável e bem alimentado, não em atender a padrões estéticos irreais.”
O estigma associado aos transtornos alimentares também dificulta a busca por tratamento e o apoio social necessário. Muitas pessoas não compreendem que esses transtornos são doenças graves e complexas, frequentemente os considerando como falta de autocontrole ou vaidade extrema.
Os transtornos alimentares continuam estigmatizados devido a essa dificuldade de entender que pode haver uma doença caracterizada por uma alimentação transtornada. Essa é a dificuldade.
Dra. Gabriela Pessoa, psiquiatra
Bulimia e Anorexia: Males que atingem o mundo
Um estudo recentemente publicado na JAMA Pediatrics trouxe à tona dados sobre a prevalência de transtornos alimentares. A pesquisa revelou que cerca de 30% das meninas entre 6 e 18 anos sofrem de algum transtorno alimentar, um número significativamente superior à média global de 22,4%, que inclui também os meninos.
Os resultados foram baseados em uma revisão de 32 estudos realizados até novembro de 2022, abrangendo 63 mil participantes de 16 países. Esses dados mostram um aumento significativo na prevalência de transtornos alimentares entre os jovens, especialmente as meninas.
No Brasil, aproximadamente 10 milhões de pessoas são afetadas por transtornos alimentares, sendo a compulsão alimentar o transtorno mais comum. O estudo global revela que a prevalência entre os meninos é de 17%, uma taxa menor, mas ainda considerado pelos especialistas da saúde como preocupante.
O tratamento é desafiador para especialistas e pacientes
A nutricionista Dra. Brenda Maiara aponta para os desafios nutricionais específicos desses pacientes: “Os principais desafios, no dia de hoje, principalmente na questão dos pacientes diagnosticados com anorexia nervosa, estão relacionados à desnutrição. Esse perfil de paciente tende a restringir a sua alimentação, o que leva à falta de vitaminas, minerais, fibras e carboidratos complexos.”
Já em relação à bulimia, Dra. Brenda destaca que “o desafio é que eles tendem a comer de forma rápida e excessiva, procurando alimentos mais gordurosos, como fast-foods. Esses alimentos possuem grandes quantidades de gordura que não são boas para o corpo.”
Promovendo uma relação saudável com a alimentação
Para promover uma relação mais saudável e equilibrada com a alimentação e a imagem corporal, é essencial uma abordagem cuidadosa e educativa. Dra. Brenda explica que “existe uma abordagem que precisamos fazer com muita cautela. Devemos agir de forma não invasiva, para que os pacientes não se sintam preocupados no início da consulta. No começo, foco mais no aconselhamento nutricional e na reeducação alimentar.”
“A gente vai adaptando o planejamento alimentar para atender as necessidades porque é um processo passo a passo. Por exemplo, se um paciente chega hoje no meu consultório com esses diagnósticos, vamos planejar com base no que ele já se alimenta, mas de forma negociada. Se ele consome apenas 200 calorias por dia, vamos negociar para que ele aumente para 400 calorias por dia.”
Caminhos para a mudança
Promover uma cultura de aceitação do corpo e da diversidade é essencial para combater os transtornos alimentares.
Nosso corpo é a nossa casa, certo? Então, podemos dizer que estamos em constante construção. Em uma construção, queremos bons materiais para construir aquele imóvel. Da mesma forma, nosso corpo precisa de bons alimentos para ser bem construído.
Dra. Brenda Maiara, nutricionista
Diante desse cenário, é importante que haja um esforço conjunto para promover uma cultura de aceitação do corpo e da diversidade, além de garantir o acesso a tratamentos eficazes e apoio psicossocial para aqueles que lutam contra esses transtornos. Somente assim poderemos mitigar os danos causados pela obsessão pelo corpo ideal e promover uma relação mais saudável e equilibrada com a alimentação e a imagem corporal.
A luta contra os transtornos alimentares é complexa e contínua, exigindo conscientização, apoio e intervenção adequada para ajudar aqueles que sofrem a encontrar um caminho para a recuperação e uma vida saudável.
*Bárbara Leite é nome fictício de uma jovem que relatou à reportagem sua situação, mas por vergonha da família e de amigos, preferiu não revelar sua verdadeira identidade.
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