A família de um brasileiro acusa a Rússia de enganar e enviar o jovem para a guerra contra a Ucrânia.
Uma semana antes de deixar o Brasil rumo à Rússia, no último dia 15 de abril, Caio Henrique de Lima havia completado 28 anos. Ele saiu de Três Lagoas, em Minas Gerais, com a promessa de um emprego com um bom salário, contou a irmã do brasileiro à reportagem.
“Quando ele chegou no local da possível entrevista [de emprego], explicaram que para possuir cidadania russa ele precisaria estar empregado com um contrato de no mínimo um ano, e que eles tinham uma empresa prestadora de serviços no qual ele poderia ser integrado”, revela Hemyli Beatriz de Lima, irmã de Caio.
De acordo com a irmã do brasileiro, que segue desaparecido no Leste Europeu, Caio sempre foi uma pessoa reservada e, além de se reunir com alguns amigos para beber socialmente às segundas-feiras, ficava no computador durante boa parte de seu tempo livre.
Hemyli conta que o irmão não deu maiores detalhes sobre a ida para a Rússia e a proposta de emprego. Ela, no entanto, diz acreditar que Caio pode ter chegado à oferta por meio da internet.
Realidade era a guerra
Já em território russo, os pertences de Caio teriam sido recolhidos durante a suposta entrevista de trabalho, incluindo documentos e telefone celular. A solicitação para que sua professora de russo no Brasil – com quem teve dez dias de aula antes de partir para a Europa – atuasse como sua tradutora durante o processo também foi negado.
O brasileiro ficou alguns dias sem se comunicar com a família, até que teve o celular devolvido. Os documentos, no entanto, não foram entregues de volta para o jovem. Ele voltou a entrar em contato e revelou que, ao invés de um emprego com salário melhor do que no Brasil, estava indo para a guerra.
“Quando ele voltou a entrar em contato, falou que o contrato que tinha assinado era para servir a Rússia na guerra contra a Ucrânia”, diz Hemyli, relembrando uma conversa telefônica que teve com o irmão. “Ele falou que não sabia o que fazer, e foi para Rostov [cidade russa] em busca de ajuda. Após dias sem poder fazer nada, aceitou sua realidade e fez um treinamento de alguns dias e logo foi mandado para o front na guerra”.
Doença no front
A família chegou a ficar quinze dias sem contato Caio, que já no front de batalha conseguia se comunicar ocasionalmente com o Brasil por meio de mensagens no WhatsApp e ligações.
Em um dos telefonemas, o jovem revelou estar alocado no sexto batalhão da 6ª Brigada do Exército da Rússia, na região de Luhansk, sob o comando de um militar identificado como “Vitas”.
Durante outro contato com a família, Caio revelou estar doente, sofrendo com fortes dores nos rins no campo de batalha. Apesar de debilitado, a irmã do brasileiro revela que ele teve atendimento médico negado, e chegou a ser desafiado pelo comandante russo a desertar e buscar seu próprio caminho no front da guerra.
“Ele começou a sofrer de fortes dores nos rins. Com os problemas renais, mal conseguia andar e, por diversas vezes, precisou da ajuda de soldados para se locomover”, diz a família de Caio. “Ele solicitou atendimento médico para ajudá-lo com a dor, mas isso foi negado não uma nem duas vezes, mas várias”.
Embaixada aconselhou a não expor o caso
No último dia 9 de agosto, a família procurou a Embaixada do Brasil em Moscou para relatar o caso as autoridades. Em uma troca de mensagens, obtidas pelo Metrópoles, a mãe de Caio pediu que a representação brasileira na Rússia tomasse medidas para que “ele retorne ao Brasil para que tenha tratamento médico para seu quadro”.
Segundo registros, a pasta colheu as primeiras informações e prometeu entrar em contato com o governo da Rússia para solicitar maiores informações.
Cinco dias depois do primeiro contato, a família voltou a cobrar respostas da Embaixada do Brasil em Moscou. A missão diplomática voltou a retornar no dia 14 de agosto, e disse ter consultado as autoridades russas sobre o caso. Na ocasião, a pasta ainda revelou ter recebido uma mensagem de Caio explicando a situação.
Diante da falta de respostas, a mãe do jovem voltou procurar a representação brasileira no dia 20 de agosto, mas não teve resposta. Dois dias depois, a família foi orientada a buscar o setor consular da Embaixada. Com a falta de informações, familiares ameaçaram expor o caso, mas foram aconselhados pela missão diplomática a não tomar tal atitude.
“Prezada, conforma informado, o melhor seria que ele voltasse o quanto antes ao Brasil e, alternativamente, que venha para Moscou”, diz um trecho de um e-mail enviado pelo Consulado do Brasil em Moscou à irmã de Caio. “Expor na internet qualquer membro do exército, especialmente enquanto o Caio estiver na Rússia, parece uma ideia temerária”.
Em uma outra troca de e-mails, a missão diplomática brasileira ainda sugeriu que a família buscasse meios alternativos para resolver a situação. A embaixada orientou a contratação de um advogado, que tentaria romper o contrato assinado por Caio com a empresa não identificada.
Segundo a família, o último contato de Caio aconteceu no último dia 8 de setembro, em uma ligação que não chegou a ser completada.
Brasileiro mantido prisioneiro de guerra na Ucrânia
A informação foi confirmada pelo representante da Coordenação para o Tratamento de Prisioneiros de Guerra da Ucrânia, Petro Yatsenko. Segundo o militar ucraniano, a história relatada pelo prisioneiro foi semelhante a versão apresentada pela família de Caio.
Na última quinta-feira (12/9), o embaixador do Brasil em Kiev, Rafael Mello Vidal, disse ter tomado ciência do caso do brasileiro detido na Ucrânia dois dias antes por meio de familiares.
A família de Caio, no entanto, alega não ter mantido contato com a Embaixada do Brasil em Kiev, e que todas as comunicações foram com a representação brasileira em Moscou.
Após a publicação da reportagem, a Embaixada do Brasil em Moscou chegou a enviar uma nova mensagem para a irmã de Caio, questionando se o brasileiro citado na matéria era seu irmão.
Em conversa telefônica, nessa sexta-feira (13/9), uma funcionária da diplomacia brasileira na Rússia afirmou que a pasta não conseguiu identificar se o brasileiro preso na Ucrânia é Caio, e informou que o Ministério da Defesa do Brasil também havia sido comunicado sobre o caso.
A reportagem também procurou o governo da Rússia, por meio da missão diplomática do país no Brasil, e fez perguntas sobre as acusações de que o país pode estar enviando estrangeiros, de forma forçada, para a guerra.
Até a publicação desta matéria, nenhum retorno foi dado à reportagem. O espaço segue aberto.
metropoles
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