Viu “Barbie”? Saiba o que é patriarcado e por que todos estão falando sobre isso

O filme “Barbie” ganhou as manchetes com seu desempenho recorde nas bilheterias dos Estados Unidos, arrecadando US$ 155 milhões em seu primeiro fim de semana. É a maior abertura do ano até agora e a maior estreia de um filme dirigido por uma mulher.

Além de seu sucesso comercial, o filme de Greta Gerwig também está atraindo atenção de alto nível por seus comentários sobre o patriarcado. O filme tem como premissa a ideia de que Barbie e Ken visitam o mundo humano onde os homens estão no comando e Ken, saboreando seu tratamento em uma sociedade patriarcal, tenta transformar a Barbielândia da mesma forma.

E assim, Gerwig e seu elenco de personagens, derivados de uma boneca que há muito representa uma beleza idealizada e inatingível, provocaram um animado debate público. Mas o que exatamente é esse patriarcado?

Aqui está o que você precisa saber.

O que é patriarcado?

Derivado da palavra grega patriarkhēs, patriarcado significa literalmente “o governo do pai” e é usado para se referir a um sistema social onde os homens controlam uma parcela desproporcionalmente grande do poder social, econômico, político e religioso, e a herança geralmente passa pela linhagem masculina.

Definindo o patriarcado, o renomado sociólogo americano Allan Johnson escreveu: “Patriarcado não se refere a nenhum homem ou coleção de homens, mas a um tipo de sociedade na qual homens e mulheres participam […] Uma sociedade é patriarcal na medida em que promove o privilégio masculino por ser dominado pelos homens, identificado pelos homens e centrado nos homens. Também é organizado em torno de uma obsessão pelo controle e envolve como um de seus aspectos-chave a opressão das mulheres”.

Quais são as características de uma sociedade patriarcal?

Não há duas sociedades patriarcais exatamente iguais, pois as culturas e normas são moldadas por diferentes fatores, como geografia, idioma e religião – e também porque as demandas e os avanços feitos pelos movimentos feministas em todo o mundo não são idênticos.

No entanto, a principal característica de uma sociedade patriarcal é aquela em que os homens detêm mais poder e autoridade, o que posteriormente leva ao privilégio masculino.

Vieses profundamente arraigados fazem com que os homens detenham a maioria dos cargos de liderança e controlem os recursos nas esferas pública e privada, enquanto as mulheres desempenham um papel secundário e são vistas como mais fracas e mais adequadas ao trabalho doméstico. Como tal, o lugar da mulher em uma sociedade patriarcal é principalmente ser dona de casa, procriadora ou cuidadora.

Essa dominação masculina perpetua crenças e práticas (normas culturais) que – consciente ou inconscientemente – favorecem os homens em detrimento das mulheres, e essas crenças não são mantidas apenas pelos homens, mas pela maioria das pessoas naquela sociedade, seja qual for o gênero.

Dados recentes do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas revelaram em junho que os preconceitos de gênero contra as mulheres “permanecem arraigados”, constatando que “quase 9 em cada 10 homens e mulheres em todo o mundo ainda mantêm tais preconceitos hoje”.

O relatório do Índice de Normas Sociais de Gênero da organização descobriu que “metade das pessoas em todo o mundo ainda acredita que os homens são melhores líderes políticos do que as mulheres, e mais de 40% acreditam que os homens são melhores executivos de negócios do que as mulheres”.

Home office

Em muitas partes do mundo, as normas patriarcais significam que as meninas recebem pouca ou nenhuma educação, podem se casar cedo, ter pouco ou nenhum controle sobre seus corpos (seja por meio de acesso a contraceptivos ou abortos) ou renda familiar e terão menos acesso digital do que meninos.

Mesmo quando o nível educacional é comparável ou as meninas estão se saindo melhor na escola, as expectativas patriarcais moldam as trajetórias de carreira, com mulheres sub-representadas em setores como ciência, tecnologia, engenharia e matemática, e super-representadas em enfermagem, por exemplo.

Os patriarcados também se caracterizam por salários desiguais para o mesmo trabalho; menos pesquisas sobre condições que afetam desproporcionalmente alguns gêneros mais do que outros (por exemplo, endometriose ou enxaqueca); um senso de direito ao sexo e prazer por aqueles que incorporam gêneros mais masculinos; a existência da pobreza menstrual, que pode afetar todas as que menstruam, e o imposto rosa – onde os bens de consumo voltados para mulheres são mais caros; cargas desiguais de cuidado; mulheres se tornando invisíveis na velhice e estereótipos sobre a menopausa; e a prevalência e aceitação da violência cometida por homens: violência doméstica, assédio sexual e feminicídio.

O patriarcado é outro termo para a desigualdade de gênero?

A desigualdade de gênero – o tratamento desigual de alguém com base apenas em seu gênero – é um resultado das sociedades patriarcais, mas os termos não significam a mesma coisa.

Os EUA são um patriarcado?

Apesar dos avanços em direção à igualdade de sexo que vêm ganhando força há mais de um século, os Estados Unidos continuam sendo uma sociedade patriarcal.

Até hoje, por exemplo, nenhuma mulher jamais foi presidente dos Estados Unidos, então o poder supremo sempre recaiu sobre um homem.

Os dados mostram que os EUA ficam atrás de muitos de seus aliados em todo o mundo quando se trata de licença parental remunerada, assistência médica materna, taxas de fertilidade adolescente e, cada vez mais, direitos reprodutivos.

Nos Estados Unidos as mulheres ganhando em média 82 centavos para cada dólar ganho por um homem e os ganhos são ainda mais baixos para mulheres indígenas, asiáticas, latinas e negras / Freepik

Há também uma disparidade salarial persistente entre os sexos, com as mulheres ganhando em média 82 centavos para cada dólar ganho por um homem em 2022, de acordo com uma análise do Pew Research Center. Os dados destacam que essa lacuna quase não mudou em 20 anos e é pior para mulheres indígenas, asiáticas, latinas e negras.

O progresso em direção à igualdade de gênero não é linear nem garantido. Ganhos no acesso ao aborto foram perdidos no ano passado (com a revogação de Roe vs. Wade), e outros ganhos também podem ser perdidos, pois não há disposição na Constituição dos EUA que explicitamente proteja contra a discriminação com base no sexo.

A Emenda de Direitos Iguais, introduzida pela primeira vez no Congresso em 1923, nunca foi ratificada por estados suficientes, embora tenha havido esforços recentes para revivê-la.

Todas as sociedades são patriarcais e sempre foram?

Não. Nem sempre foram.

Escrevendo para a rede “BBC”, a jornalista científica britânica Angela Saini explica que “quanto mais mergulhamos na pré-história, mais variadas formas de organização social vemos”. Referindo-se a dados arqueológicos de Çatalhöyük, na atual Turquia, descrita como uma das cidades mais antigas do mundo, Saini escreve que este era “um assentamento no qual o gênero fazia pouca diferença na maneira como as pessoas viviam”.

Mas também existem tais sociedades no mundo contemporâneo. Pesquisas anteriores identificaram pelo menos 160 populações matrilineares que existem hoje. Estas são sociedades em que a linhagem é transmitida pela mãe. Isso não significa, no entanto, que os homens sejam discriminados nos matriarcados.

Saini escreve: “Muitas vezes em comunidades matrilineares, o poder e a influência são compartilhados entre mulheres e homens. Nas comunidades matrilineares Asante, em Gana, a liderança é dividida entre a rainha-mãe e um chefe masculino, que ela ajuda a selecionar”.

Além da Barbielândia, que outras sociedades são matriarcais?

Emma Mackey, Simu Liu, Margot Robbie e Ryan Gosling em “Barbie” / Warner Bros. Pictures

Aqui estão apenas algumas das sociedades matriarcais conhecidas em todo o mundo:

Os Minangkabau são a maior sociedade matriarcal conhecida do mundo, compreendendo milhões de pessoas que vivem na ilha de Sumatra, na Indonésia. Eles são matrilineares, traçando descendência e herança através da linha feminina.

Os Bribri estão entre as comunidades matrilineares sobreviventes mais antigas do mundo. Este grupo indígena vive principalmente na região montanhosa de Talamanca, na Costa Rica e, em 2015, estimava-se que havia 11.500 pessoas nesta área, mas sua cultura estaria ameaçada.

Há também os Mosuo, na China, os Khasi, na Índia, os Himba, em Angola e Namíbia e muitos mais. Mas mesmo as ordens sociais não existem em uma escolha binária entre patriarcados e matriarcados. Das 1291 populações definidas no estudo de 2019, 590 eram patrilineares. Além dos matriarcados detalhados acima, o estudo também identificou cinco outras maneiras pelas quais as sociedades decidem a linhagem.

O patriarcado é bom para os homens?

Sim e não. Embora não seja concedido igualmente a todos os homens, ser designado como homem ao nascer em uma sociedade patriarcal traz privilégios. Mas também vem com expectativas, e são essas expectativas – que um “homem viril” é heterossexual, sempre forte, mostra pouca emoção, é o provedor e não o cuidador, domina os outros, deve estar sempre no controle – que levou ao que é popularmente chamado de masculinidade tóxica.

Esses ideais têm consequências, certamente para as mulheres (o fato de o estupro conjugal não ser crime em muitos países, e só se tornou um em todos os estados dos EUA em 1993, é apenas um exemplo), mas também para os homens: estudos exploraram – e tem mostrado – uma conexão entre o patriarcado e taxas de mortalidade mais altas em homens.

Em seu livro de 2004, “The Will to Change: Men, Masculinity and Love”, a autora feminista negra Bell Hooks escreveu: “O primeiro ato de violência que o patriarcado exige dos homens não é a violência contra as mulheres. Em vez disso, o patriarcado exige de todos os homens que se envolvam em atos de automutilação psíquica, que matam as partes emocionais de si mesmos”.

Pode um patriarcado ser desmantelado?

Qualquer sistema criado por pessoas pode ser alterado por pessoas. O patriarcado é um sistema social que foi desenhado por homens para favorecer homens. Foi adotado ao longo dos tempos por meio de comportamento aprendido e normas culturais que colocam os homens no topo. Para desmantelar esse ideal, temos que desafiar os preconceitos arraigados contra as mulheres.

Parece simples, mas há muito trabalho a fazer. Diante de “direitos sexuais e reprodutivos sendo revertidos” e “direitos das mulheres sendo abusados, ameaçados e violados em todo o mundo”, disse o secretário-geral da ONU (Organização das Nações Unidas), António Guterres, em março, que a igualdade de gênero parecia estar “a 300 anos de distância”.

Listando várias áreas de desigualdade, Guterres foi explícito sobre suas causas: “Séculos de patriarcado, discriminação e estereótipos nocivos criaram uma enorme lacuna de gênero na ciência e tecnologia”, antes de acrescentar: “Vamos ser claros: as estruturas globais não estão funcionando para o mundo das mulheres e meninas. Elas precisam mudar”.

Existem muitas estratégias que podem levar à mudança que Guterres pede, desde esforços para mudar as normas culturais até o acesso à educação para meninas, o empoderamento econômico das mulheres e a reforma institucional. Mas o principal deles também é o financiamento e o apoio a organizações de direitos das mulheres.

A presidente da Democracy Alliance, Pamela Shifman, escreveu:

“Para reverter o crescente dano causado todos os dias aos direitos das mulheres e LGBTQ+, os movimentos feministas precisam de mais recursos. Eles também precisam de liberdade para responder a novas ameaças e oportunidades e inovar com ousadia. As ameaças, em sua origem e natureza, estão sempre mudando e precisamos de organizações feministas que sejam resilientes e capazes de mudar também. Agora é a hora de financiar essas organizações”.

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