Assassinato de Margarida Maria Alves completa 40 anos: quem é a líder sindical que lutou por trabalhadores do campo

O assassinato da paraibana Margarida Maria Alves completa 40 anos neste sábado (12). Ela foi morta a tiros, na porta de casa, em 1983. Desde então, mulheres do Brasil inteiro se unem, de quatro em quatro anos, na Marcha das Margaridas, cuja 7ª edição acontece nos dias 15 e 16 deste mês, para marchar por justiça, igualdade e paz no campo e na cidade.

O evento se inspira na trajetória de luta da paraibana Margarida Maria Alves, mulher, trabalhadora rural, nordestina e líder sindical, que rompeu com padrões tradicionais de gênero.

O nome de Margarida Maria Alves se tornou um símbolo nacional, principalmente para mulheres, de força e coragem.

Paraibana de Alagoa Grande

 

Margarida Maria Alves nasceu em 5 de agosto de 1933, em Alagoa Grande, no Brejo da Paraíba.

Ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo de presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande. Durante 12 anos na presidência da entidade, lutou para que os trabalhadores do campo tivessem seus direitos respeitados, como carteira de trabalho assinada, férias, 13º salário e jornada de trabalho de 8 horas diárias.

A líder sindical se transformou em símbolo de resistência e luta contra a violência no campo, pela reforma agrária e fim da exploração dos trabalhadores rurais.

Para o filho, José de Arimateia, a mãe deixou uma legado imenso. “Minha mãe foi única no que fez como ser humano limitado, mas por onde eu passo e tenho oportunidade, testemunho desta sua luta. E, além disso, é de suma importância sempre lembrar a luta que esta guerreira trilhou e tombou, através do Movimento de Mulheres e dos Movimentos Sociais”, destacou.

Líder sindical Margarida Maria Alves foi assassinada em 1983 por motivos políticos, na Paraíba — Foto: TV Cabo Branco/Reprodução

Legado de Margarida Maria Alves

 

O livro “Margarida, Margaridas: Memória de Margarida Maria Alves (1933-1983) através das Práticas Educativas das Margaridas”, da professora doutora Ana Paula Romão de Souza Ferreira, conta, além da trajetória de Margarida, a importância do seu legado.

Para ela, a herança deixada pela líder sindical estende-se em pelo menos três dimensões.

A primeira como mulher camponesa e sindicalista rural, o que não era comum para a época, sobretudo no Nordeste. Margarida Alves foi uma das fundadoras do Movimento Mulheres do Brejo, que articula as lutas das mulheres com as lutas do campo.

A segunda herança é a dimensão mais conhecida da paraibana, que é a luta pelos direitos trabalhistas dos trabalhadores rurais, como carteira assinada, décimo terceiro salário, jornada diária de trabalho de 8 horas e férias, direitos que já haviam sido conquistados pelo setor urbano. Assim como também influenciou no incentivo à educação política dos trabalhadores do campo, mais uma herança deixada por ela.

A sindicalista também foi fundadora do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural junto a Paulo Freire, e deixou um forte legado na luta coletiva.

“Tenho certeza que a sua luta não foi em vão, a maior prova disso é que do seu sangue surgiram muitas outras mulheres guerreiras que foram inspiradas por ela. Tem muito ainda a fazer, mas valeu a pena toda luta e sacrifício da minha querida e estimada mãe”, declarou o filho de Margarida, José de Arimateia.

Marcha das Margaridas

 

Há 23 anos, mulheres de diversos movimentos sociais marcham até Brasília em homenagem à memória da líder sindical e contra a pobreza, a fome e a violência sexista.

O movimento começou em 2000, com a participação de aproximadamente 20 mil mulheres. Desde então, a cada quatro anos, elas voltam a se reunir nas ruas de Brasília para cobrar políticas públicas voltadas às mulheres camponesas. A última edição, que ocorreu em 2019, contou com a participação de 100 mil mulheres de diversas regiões do país.

A pauta da Marcha das Margaridas de 2023 foi entregue ao governo federal, durante evento com a participação de 13 ministras e ministros, no Palácio do Planalto, no dia 21 de junho. No mesmo dia foi entregue a pauta voltada ao Legislativo para o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira.

Os documentos trazem os anseios, os quereres e as prioridades apontadas pelas Margaridas do campo, da floresta e das águas e traz propostas organizadas em 13 eixos temáticos:

  1. Democracia participativa e soberania popular;
  2. Poder e participação política das mulheres;
  3. Vida livre de todas as formas de violência, sem racismo e sem sexismo;
  4. Autonomia e liberdade das mulheres sobre o seu corpo e a sua sexualidade;
  5. Proteção da Natureza com justiça ambiental e climática;
  6. Autodeterminação dos povos, com soberania alimentar, hídrica e energética;
  7. Democratização do acesso à terra e garantia dos direitos territoriais e dos maretórios;
  8. Direito de acesso e uso da biodiversidade, defesa dos bens comuns;
  9. Vida saudável com agroecologia e segurança alimentar e nutricional;
  10. Autonomia econômica, inclusão produtiva, trabalho e renda;
  11. Saúde, Previdência e Assistência Social pública, universal e solidária;
  12. Educação Pública não sexista e antirracista e direito à educação do e no campo; e
  13. Universalização do acesso à internet e inclusão digital.

 

Assassinato de Margarida Maria Alves

 

Margarida Maria Alves foi morta na frente de sua casa em 12 de agosto de 1983 com um tiro de escopeta calibre 12 no rosto, disparado por um pistoleiro. Na hora do crime ela estava acompanhada do esposo e do seu filho pequeno.

“Estava brincando na rua da nossa casa, quando ouvi o estampido do tiro. Corri para casa, quando me deparei com o seu corpo totalmente ensanguentado”, relembra José de Arimateia.

 

As denúncias de abusos e desrespeito aos direitos dos trabalhadores nas usinas da região, feitas por Margarida, resultaram no seu assassinato, encomendado por fazendeiros.

Quando Margarida foi assassinada, 72 ações trabalhistas estavam sendo movidas contra os fazendeiros locais.

Após 40 anos, ninguém foi preso

 

Após 40 anos, nenhum acusado pela morte da sindicalista foi condenado. O crime teve repercussão internacional, com denúncia encaminhada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), em conjunto com o Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL), Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pela Fundação de Direitos Humanos Margarida Maria Alves.

Após investigações, foram mencionados como mandantes o usineiro Aguinaldo Veloso Borges, latifundiário e proprietário da Usina Tanques, e seu genro José Buarque de Gusmão Neto (Zito Buarque). Eles faziam parte do chamado Grupo da Várzea, composto por 60 fazendeiros, três deputados e 50 prefeitos. Foram acusados pelo crime o soldado da PM Betâneo Carneiro dos Santos, os irmãos pistoleiros Amauri José do Rego e Amaro José do Rego e Biu Genésio, motorista do carro que levou os matadores até a casa de Margarida.

Os assassinos nunca foram condenados e, dos envolvidos, apenas Zito Buarque foi julgado. Ele ficou preso por três meses, tendo sido absolvido em 2001, em João Pessoa.

José de Arimateia com a esposa Anistela — Foto: José de Arimateia/Arquivo pessoal

Filho ganha indenização

 

O filho da agricultora e líder sindical Margarida Maria Alves recebeu indenização de reparação econômica e danos morais pela morte da mãe, após determinação do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5).

José de Arimateia Alves recebeu um total de R$ 431.720, sendo R$ 181.720 a título de reparação econômica e R$ 250 mil por danos morais. A decisão foi unânime da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5.

A líder sindical Margarida Maria Alves teve sua condição de anistiada política do regime militar reconhecido em longo processo administrativo, concluído em 6 de julho de 2016, pela Portaria nº 1.114/2016. Esse ato concede ao anistiado e seus dependentes econômicos o direito à devida reparação pecuniária pelos danos causados em decorrência da perseguição política.

Dia Estadual das Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos

 

A Paraíba instituiu o dia 12 de agosto como Dia Estadual das Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos, em homenagem à paraibana Margarida Maria Alves, que morreu nessa data no ano de 1983.

A lei de autoria da deputada Estela Bezerra foi publicada no dia 20 de abril de 2021, no Diário Oficial do Estado (DOE).

De acordo com a lei, “no dia referido poderão ser promovidas atividades de reflexão e manifestações culturais e artísticas nas escolas do estado com o intuito de conscientização sobre a importância da vida e luta das Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, dentre eles Margarida Maria Alves, símbolo da luta das trabalhadoras do campo por direitos e cruelmente assassinada no dia 12 de agosto de 1983”.

G1