Áudios chocantes mostram terror de vítimas de biomédico: “Vou morrer”

Tratamentos teoricamente simples e naturais para aumento e harmonização de bumbum em pacientes de uma clínica de estética se tornaram um escândalo em Brasília. Há uma semana, foi mostrado com exclusividade relatos de mulheres que denunciaram Rafael Bracca, biomédico e influencer do Distrito Federal, por danos graves à saúde após serem submetidas ao que ele chamava de “protocolo TX-8” para glúteos.

Desde então, novas vítimas surgiram, ele acabou preso por exercício irregular da profissão e denúncias de possíveis outros crimes vieram à tona. Agora, a reportagem traz áudios chocantes, que mostram o terror vivido por ex-pacientes de Bracca.

“Ele me fez muito mal. Eu sonhava com esse homem todo dia, Deus sabe, e ficava com medo. Ele destruiu meu sonho”, relata Isis Correa, manicure que juntou dinheiro por anos para realizar o tratamento. Já a empresária Natalia Teixeira começou a viver o pesadelo na lua de mel. “Fui internada quatro vezes. A última, de 30 dias, foi a internação em que eu cheguei até a começar a escrever uma carta [de despedida] para a minha família. Porque eu achei que não passaria dela”, relembra.

As vítimas do biomédico formaram um grupo de cerca de 20 mulheres, que dividem denúncias diversas contra Rafael Bracca. Os relatos são semelhantes. A maioria conheceu o profissional, agora preso, pelas redes sociais. Era on-line que ele mais captava pacientes, com vídeos chamativos e promessas milagrosas de resultados imediatos, principalmente no “protocolo TX-8” para o bumbum.

Elas contam que a fórmula dos produtos aplicados quase nunca era divulgada, sob alegação de ser um tratamento exclusivo e patenteado, e que as seringas com as substâncias já chegavam prontas no consultório.

Após o procedimento, as pacientes que fizeram as denúncias contam que passaram a conviver com problemas diversos, como dores, inflamações, infecções, nódulos, e dificuldades pulmonares. Várias mulheres chegaram a ser internadas, algumas inclusive em unidades de tratamento intensivo (UTIs). “Eu pensava a todo momento: ‘Eu vou morrer, o que vai ser dos meus filhos?’”, lembra Natália. Outra vítima, que preferiu não se identificar, comenta que uma sócia de Bracca também fazia aplicações. “Ela mesma pegava e aplicava. Era um açougue aquilo ali, um negócio horrível.”

O biomédico Rafael Bracca se divulga nas redes como um profissional de sucesso. Influencer com mais de 65 mil seguidores no Instagram, em um perfil que seguia ativo até a publicação desta reportagem, ele tem clínicas em áreas nobres de Brasília e São Paulo, e vende cursos com a promessa de triplicar o faturamento de profissionais da área da saúde.

Para divulgar o trabalho, Bracca diz que tem 20 anos de carreira, mas as contas não batem. Com 38 anos de idade hoje, Bracca se formou em biomedicina em uma faculdade particular de Brasília em junho de 2019, há pouco mais de 4 anos.

Nas redes, o denunciado ainda divulga a polêmica ozonioterapia e já chegou a defender a hidroxicloroquina contra a Covid-19 na pandemia, tratamentos que nunca tiveram a efetividade comprovada. Mesmo não sendo médico, ele diz que tem protocolos voltados para esquizofrenia, depressão, ansiedade, diabetes, TDAH e até autismo, prometendo “reverter sintomas”.

Em 2021, Bracca começou a ser investigado em um processo ético administrativo no Conselho Regional de Biomedicina por exercer função médica, em um caso em que teria prometido curar o zumbido no ouvido de uma paciente.

Em pedidos de exame, a clínica de Rafael Bracca usava carimbos e assinaturas de médicos. Um deles, Herval Cavalcanti Pereira de Sá Martins, é cassado pelo Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF). Documentos da clínica revelados pelo Metrópoles mostram a assinatura de Herval em junho deste ano, já após a cassação. Ele nega que tenha assinado qualquer pedido médico para Bracca em 2023.

Prisão

Rafael Bracca foi preso em flagrante na última quarta-feira (1º/11), atuando na clínica que já havia sido interditada anteriormente, na 610 Sul, por exercício irregular da atividade. A prisão aconteceu após investigação conjunta da 1ª Delegacia de Polícia (Asa Sul) e da Vigilância Sanitária do DF. No local, foram encontradas diversas irregularidades, como medicamentos anestésicos e antibióticos, que não podiam ser administrados pelo biomédico.

Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) manteve a prisão do biomédico Rafael Bracca após audiência de custódia.

Réu por tráfico

Pouco antes da prisão por exercício irregular da profissão, Bracca também se tornou réu por tráfico de drogas, por decisão do TJDFT. Esse caso foi concluído na Polícia Civil com o indiciamento do biomédico influencer. Em busca e apreensão de fevereiro deste ano, foram encontradas fórmulas proibidas no escritório dele na Asa Sul.

Na ocasião, os agentes flagraram 200 unidades de cápsulas vermelhas de metilhexanamina (DMAA), substância que auxilia no emagrecimento, mas foi proibida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2012 por aumentar riscos de surgimento de doenças cardíacas, hepáticas e renais, por exemplo.

No processo, o Ministério Público do DF lembrou que os materiais apreendidos são “proibidos há bastante tempo”, e ainda pontuou que Bracca é biomédico e frequentador de academia, então “não possui um juízo leigo sobre o que é permitido ou proibido”. O órgão também não ofereceu proposta de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) ao denunciado, afirmando que “há claros indícios de conduta criminosa profissional, reiterada e habitual, considerando que ele responde a outra ação penal”.

O que diz a defesa

Em nota, a defesa de Rafael Bracca negou todas as acusações. “De início, é importante dizer que procedimentos estéticos de qualquer espécie com fios de PDO, colágeno, aminoácidos, ácido hialurônico, dentre outros, podem gerar, sim, reações adversas a nível de inflamações e, em alguns casos, infecção e nódulos que podem ser extraídos. Inclusive, o próprio produto pode ser retirado sem causar lesões.”

“Dos procedimentos que realizamos, a denúncia menciona que 15 pacientes, das mais de 400 que atendemos, apresentaram algumas intercorrências, no caso processo inflamatório que é tratado quando a paciente se dispõe a seguir as orientações do biomédico, mas ao fazerem o distrato de prestação de serviço e se submeterem a outros profissionais, eximem sua responsabilidade.”

A nota também afirma que o “tipo de intercorrência apresentada pelas pacientes é previsível”, e quando pacientes informam o quadro clínico inflamatório há “todo o suporte”. “Inclusive, é receitado pelo médico e responsável técnico da Clínica Bracca o tratamento mediante antibióticos, anti-inflamatórios e outros procedimentos que ajudam a desinflamar, no caso ozonioterapia e sessões a laser, e, todas que se submetem ao tratamento a resposta tem sido positiva.”

Os advogados do biomédico ainda alegam que Rafael Bracca “não foi comunicado” pelo médico Herval sobre a sua cassação. “No entanto, o advogado da clínica informou que Dr. Herval havia sido cassado pelo CRM, foi quando o médico deixou de ser prestador de serviços da clínica Bracca, assim outro profissional foi contratado para substitui-lo.”

Sobre o cadastro fiscal, a defesa alega que a clínica foi autuada e interditada, no início do ano de 2022, “quando Rafael Bracca foi surpreendido com a notícia de mudança do CNAE da empresa, pelo seu antigo gestor, sem sua ciência”. “Mas a clínica foi desinterditada e autorizada a funcionar normalmente.”

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