Em agosto de 2023, a jovem Rita Raymond Ephrem sentiu um incômodo para fazer xixi durante um evento em que divulgava um livro de sua autoria na capital paulista. A dor não era tão forte, tanto que ela conseguiu vender alguns exemplares de sua obra antes de pedir para um amigo levá-la até um pronto-socorro, onde imaginou que seria medicada e liberada.
Para sua surpresa, Rita foi diagnosticada com uma infecção generalizada, segundo ela não imaginada por causa da dor tênue que sentia.
Horas depois, ela dava entrada no Hospital Santa Catarina, na região central de São Paulo, onde foi encaminhada para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). O ambiente hospitalar é um velho conhecido da jovem de 29 anos — em 2023, ela passou mais um Natal internada e também comemorou seu quarto Réveillon sobre uma maca.
“Faz parte da minha vida passar por datas importantes dentro de um quartinho de hospital. Costumo dizer que a sensação é a de que estou presa, sem ter cometido crime algum”.
As atribulações não abalam Rita, que afirma ser movida pela fé e esperança, presentes em cada batida de seu coração que, segundo ela, “são milagres”. “Resolvi ressignificar toda a dor, sofrimento que sinto, por ser portadora de uma doença rara, crônica, potencialmente fatal, grave e com poucos estudos. Ressignifico isso tudo com o amor.”
A infecção generalizada que levou Rita novamente para o hospital, em agosto, foi uma das inúmeras que já sofreu e que resultaram em mais de 20 intubações e cinco paradas cardíacas. Ela também já teve sete Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs), 21 tromboses e diversos episódios de doenças inflamatórias, entre elas meningite.
Doença sem nome
As complicações de saúde são resultantes de uma doença autoinflamatória rara, ainda sem nome científico, que mantém Rita sobre uma maca de hospital há quase quatro anos. Em 2023, ela afirmou ter ficado fora do hospital, em internações domiciliares, 15 dias, somando as poucas altas que recebeu.
“O que aprendi na maca do hospital nesses anos, nem a universidade de Harvard ensina. São coisas que só quem já deitou em uma maca, por muito tempo, vai conseguir compreender. É um profundo aprendizado o que essa cama nos traz”, afirmou.
Um dos ensinamentos assimilados por Rita em suas internações foi o de valorizar a lucidez. Por meio dela, diz a jovem, é possível ter ciência de que cada segundo, cada respiração, são únicos e irrecuperáveis.
“Não sei o que acontece fora de quatro paredes e, dentro do meu quarto, acontecem milagres todos os dias e em todos os instantes. Ressignifiquei meu quarto, deixei com a minha cara, sem cara de hospital. Ele é a minha casa, do meu jeitinho, com as coisas que gosto na decoração. Faço dele um lugar de paz, amor e positividade, porque é isso que trago para minha vida.”
Rita acrescentou que a doença lhe deu mais uma família, composta pelos profissionais da saúde que a assistem 24 horas por dia.
Para 2024, iniciado nesta segunda-feira (1º/1), Rita pretende seguir com sua filosofia pessoal de que não é o espaço físico, muito menos o dinheiro, “um pedaço de papel”, que irão definir como ela irá viver seus momentos.
“Escolhi viver com gratidão de estar viva, celebrando cada data. Vivo cada uma delas como se fossem as últimas. Vivo cada segundo como se fosse o último, faço isso muito feliz. Tenho certeza de que a minha vida é um milagre, não só a minha, como a de todo mundo.”
Origens
Rita nasceu em Belo Horizonte (MG), de onde se mudou ainda jovem para o Líbano, terra natal de seus pais e onde muitos parentes ainda residem. Ela começou a sentir os primeiros sintomas de sua doença, como febre e dores nas articulações, no país da Ásia Ocidental.
Lá, nenhum médico identificou a moléstia e alguns chegaram a orientar sua família a procurar um psiquiatra, porque acreditavam, erroneamente, que o problema poderia ser psicológico.
Rita, então, retornou para o Brasil, permanecendo um tempo em Belo Horizonte, mas foi em São Paulo, quando tinha 25 anos, que um exame indicou que ela tinha 11 mutações genéticas associadas.
Quando morava no Líbano e ainda não manifestava sintomas da doença, Rita chegou a estudar engenharia mecatrônica e se destacou como atleta de futsal, na universidade, integrando a seleção feminina libanesa. Isso mudou após seu diagnóstico e o início da administração de altas doses de corticoides, os quais fizeram com que a jovem engordasse 40 quilos.
No início, ela demorou para aceitar sua nova condição, mas, com terapia, concluiu que sua mudança era somente externa.
“Minha essência continuava a mesma e me apaixonei por ela.”
O autoconhecimento e a ciência de que cada segundo é único, podendo ser o último — não só para ela como para qualquer outra pessoa — são a matéria-prima usada por Rita para seguir adiante.
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