Ou você toma antidepressivos ou conhece alguém que já precisou fazer uso desses medicamentos. Estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que ao menos 5% dos adultos em todo o mundo têm depressão; a condição é mais comum em mulheres.
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), a depressão é um transtorno mental crônico que se caracteriza pela presença de tristeza, pessimismo e baixa autoestima. Mesmo cercada de preconceito, a doença não é “frescura”: é causada por um desequilíbrio de neurotransmissores no cérebro, que não suficientes para realizar as sinapses corretamente. Tal condição também ocorre quando os neurônios não se desenvolveram de maneira adequada para passar informações entre si com eficiência. Sem tratamento, aumentam as chances de o paciente ter infarto ou até cometer suicídio.
Embora nem todos os pacientes precisem ser tratados com antidepressivos (a terapia é indicada apenas para casos moderados e graves), o último relatório do Conselho Federal de Farmácia (CFF) sobre os medicamentos, publicado em julho de 2024, aponta que a venda desses fármacos subiu 11% entre 2022 e 2023. Estima-se um crescimento de mais 4% neste ano, com a previsão de 220 milhões de comprimidos comercializados. A quantidade supera, pela primeira vez, a população brasileira.
Antidepressivos já estão amplamente difundidos na sociedade, porém ainda estão cercados de tabus. Muitos pacientes que precisam de tratamento têm medo de iniciá-lo por temerem os efeitos colaterais. Em contrapartida, também é grande a quantidade de pessoas que ainda não têm acesso aos remédios por não conseguirem consultas com psiquiatras (únicos médicos habilitados a receitá-los), especialmente na rede pública de saúde.
O que são os antidepressivos?
Os antidepressivos são fármacos capazes de aumentar a oferta de alguns neurotransmissores no cérebro para permitir maior controle das emoções e também melhorar a capacidade de organizar fluxos de pensamento e de ação e reação.
Apesar do que sugere o nome, nem sempre os antidepressivos são usados para tratamento da depressão. A prescrição pode abranger pessoas com ansiedade, bem como pacientes que sofrem com insônia, terror noturno e transtornos de movimento, entre outros.
Trata-se de uma classe de medicamentos que surgiu nos anos 1950, com o objetivo de estabilizar o humor de pacientes deprimidos. A imipramina foi um dos primeiros remédios da categoria, que prontamente começou a se expandir, à medida que também ganhavam fama os efeitos colaterais.
Os primeiros remédios causavam sensação de sedação, alterações no funcionamento do coração e levavam a problemas urinários e digestivos. Os remédios atuais também não são isentos de efeitos adversos, mas a tecnologia de funcionamento dos antidepressivos foi sendo aperfeiçoada – especialmente a partir da década de 1980, quando chegou ao mercado a fluoxetina, o famoso Prozac, conhecido como a “pílula da felicidade”.
“O Prozac causou uma revolução nos antidepressivos. A partir dele, os remédios se tornaram mais eficazes, mais toleráveis, e nos permitiram começar a tratar também a depressão moderada, não só as mais graves”, lembra o psiquiatra Marcos Gebara, presidente da Associação Psiquiátrica do Estado do Rio de Janeiro (Aperj).
Como os antidepressivos agem?
Existem vários tipos de antidepressivos. Os mais comuns hoje em dia são a fluoxetina e os descendentes do Prozac: citalopram e sertralina.
Antidepressivos mais antigos interferiam na fisiologia do cérebro de forma muito ampla. Os atuais são mais seletivos e mexem apenas em algumas peças do quebra-cabeças que é o fluxo de pensamento humano, para dar aos pacientes mais qualidade de vida.
O processo de adaptação, porém, não costuma ser rápido. “Não existem receitas de bolo. A psiquiatria precisa lidar com a subjetividade de cada indivíduo e trabalha com tendências e chances, mais do que com certezas. Com tantos neurotransmissores em jogo, é difícil mexer apenas uma peça do tabuleiro e já acertar o equilíbrio logo de cara”, explica a psiquiatra Paula Dione, do Hospital Universitário da Universidade Federal da Bahia (Hupes-UFBA).
No caso dos remédios que atuam na serotonina, eles impedem os neurônios de recapturarem o neurotransmissor, aumentando a oferta dele no fluxo cerebral. Neurotransmissores são essenciais para que os impulsos nervosos passem de um neurônio para o outro, no processo conhecido como sinapse (a origem eletroquímica de um pensamento). Os principais deles, associados desde os anos 1960 à depressão, são:
- serotonina;
- noradrenalina; e
- dopamina.
Em pessoas com depressão, há um desnível na oferta de um ou mais desses neurotransmissores, e o paciente pode ter menos neurônios plenamente desenvolvidos. Com a redução na transmissão dos impulsos cerebrais, também diminuem a disposição, a vontade de contato social e a alegria.
Quais as diferenças entre os tipos de antidepressivos?
Nem todas as sinapses, porém, são feitas com ligações de serotonina – há mais de 40 neurotransmissores conhecidos no cérebro humano. Por isso, foi preciso desenvolver outros tipos de antidepressivos que impedem a recaptura dos que estão relacionados à depressão.
Medicamentos que lidam com a serotonina costumam ser a primeira linha de tratamento, visto que ajudam na maioria dos casos e apresentam menos efeitos adversos. No entanto, se os inibidores de recaptura de serotonina não funcionarem bem, existem os de noradrenalina, a exemplo da reboxetina.
Há ainda os remédios mais raros: os inibidores de recaptura de dopamina. Estes são pouco usados, pois podem aumentar os sintomas de ansiedade, o que é especialmente arriscado em um cérebro depressivo.
Além disso, existem medicamentos combinados que atuam com vários tipos de neurotransmissor simultaneamente; entre eles, os antidepressivos tricíclicos (que atuam nos três neurotransmissores). São recomendados em casos mais severos, já que causam mais efeitos colaterais.
As últimas pesquisas científicas têm se direcionado a um novo neurotransmissor, o glutamato, que também pode ter ligação com a depressão. Um dos remédios que age nesse novo mecanismo de ação é a escetamina, ainda pouco usada no Brasil.
Também têm sido mais usados os remédios que, em vez de impedir a recaptura, fazem uma injeção de neurotransmissores artificiais no organismo.
Em todos os casos, os remédios só podem ser indicados por psiquiatras, que devem ajustar as doses até encontrar uma fórmula que permita ao cérebro funcionar bem e, eventualmente, aprender a ser independente, sem precisar do auxílio dos medicamentos.
Além disso, o tratamento com o antidepressivo precisa ser complementado com atenção terapêutica – não adianta tomar remédio e não fazer terapia. “Os neurotransmissores, que são o foco dos medicamentos, também são produzidos pelo nosso corpo quando estamos gozando de boa saúde, praticando exercícios. Por isso, o tratamento deve ser psicossocial, com terapia ocupacional e adaptações de vida para superar a doença”, indica a psiquiatra Renata Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr).
Há casos em que o indivíduo não apresenta melhora, mesmo com o uso de medicação. É a chamada depressão resistente ou refratária, em que os sintomas persistem, apesar do uso adequado de antidepressivos e outras intervenções terapêuticas. Muitas vezes, é necessário acompanhamento próximo, com internação da pessoa doente.
Engorda, corta a libido? Quais os efeitos colaterais?
Um medo em comum de quem começa a fazer tratamento com antidepressivos são seus efeitos colaterais, que ainda persistem, embora os tratamentos ganhem cada vez mais segurança, com o desenvolvimento da tecnologia farmacêutica.
Os inibidores de serotonina ou os remédios que atuam combinados na serotonina e noradrenalina, os mais usados no Brasil, podem causar os seguintes sintomas:
- agitação e ansiedade;
- indigestão, náuseas ou dor de estômago;
- diarreia;
- perda de libido;
- perda de apetite;
- dificuldade em atingir o orgasmo;
- disfunção erétil.
Os efeitos colaterais costumam aparecer nas primeiras semanas de tratamento; depois, alcança-se certo equilíbrio, com a diminuição dessas reações, especialmente as gastrointestinais.
Os tricíclicos, mais usados em tratamento da depressão profunda, normalmente causam tontura, insônia ou sonolência, sudorese, aumento de peso e taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos).
Para prescrever o tratamento apropriado a cada caso, psiquiatras consideram os sintomas e o quadro de saúde do paciente, bem como a interação dos antidepressivos com outros remédios.
“Os antidepressivos não fazem mal. Na verdade, eles são fundamentais para que pessoas que precisam de tratamento continuem vivas. O antidepressivo faz mal para quem toma errado, mas, para quem precisa desse medicamento, ele é uma benção”, diz Gebara.
É possível fazer o tratamento pelo SUS?
Além dos tabus, uma das maiores dificuldades para quem precisa de tratamento para depressão no Brasil é conseguir consulta com psiquiatras. Na rede particular, poucos são os que aceitam planos de saúde e, em alguns casos, as consultas podem custar cerca de R$ 700.
Para quem depende da rede pública de saúde, o acesso aos médicos e, consequentemente, aos antidepressivos é ainda mais difícil. Além da dificuldade para marcar as consultas de acolhimento nos postos de saúde (necessárias para o encaminhamento ao psiquiatra, o que geralmente é feito apenas em casos mais graves), também há poucas possibilidades de tratamento medicamentoso ofertadas pela rede pública.
A fluoxetina, que é um medicamento criado em 1988, é o tratamento antidepressivo mais moderno disponível na rede pública. Embora esteja na lista de medicamentos distribuídos, a bupropiona só é indicada para pacientes tabagistas.
O Ministério da Saúde distribui nacionalmente apenas quatro medicamentos antidepressivos, três deles do tipo tricíclico: amitriptilina, clomipramina, e nortriptilina, em diversas doses. Entre os inibidores de recaptação, está apenas o de serotonina, a fluoxetina.
“Há uma dificuldade muito grande de conseguir tratamento na rede pública. Temos demandas reprimidas de até seis meses de espera para consultas e ainda há um estigma muito grande de fazer tratamento no Caps, resquício de uma rejeição social que ainda temos desde a época dos manicômios”, aponta Renata Figueiredo.
Em nota, a pasta informa que “organiza estratégias para garantir todos os recursos e todas as orientações aos usuários do SUS que necessitam de assistência relacionada à depressão”. O ministério também ressalta que estados e municípios podem adotar listas de medicamentos específicas e complementares, de acordo com as necessidades apresentadas pela população local.
Duração do tratamento e retirada dos antidepressivos
Os antidepressivos não costumam ser pensados para tratamentos vitalícios. Embora algumas pessoas precisem manter doses mais baixas dos medicamentos por longos períodos de tempo, o ideal é que o tratamento funcione de forma mais intensa e o paciente passe por um desmame em questão de meses ou de poucos anos.
Começa-se a planejar o fim do uso do medicamento quando médico e paciente concordam que há uma estabilidade de humor e acreditam que o cérebro já é capaz de regular sozinho o próprio fluxo de neurotransmissores.
O tempo de desmame varia de acordo com a sensibilidade de cada paciente. O período pode chegar a meses, com eventuais subidas de dosagem caso seja observado o retorno dos sintomas da depressão.
Médicos esclarecem, porém, que o próprio paciente não deve se aventurar e interromper as doses por própria conta ou modificar sozinho a quantidade de remédios administrada.
Interromper o uso de antidepressivos pode dar origem à “síndrome de retirada”. Em pessoas cujo cérebro ainda não se acostumou a operar sem a medicação, a condição pode levar a sintomas graves, incluindo um efeito rebote que pode intensificar a depressão.
“Antes de tudo, precisamos identificar se o paciente está recuperado e ir reduzindo a dosagem da medicação semanalmente em cerca de 25% para observar. Só se suspende um remédio de forma abrupta se ele tiver causado efeitos colaterais; de resto, tudo tem o seu curso”, diz o psiquiatra Alexandre Valverde, de São Paulo.
Dependência e uso a longo prazo
O uso de antidepressivo não causa qualquer tipo de dependência de natureza eletroquímica. O que muitas vezes ocorre é que o paciente desenvolve um vínculo emocional e não acredita que pode ter a mesma qualidade de vida se deixar de usar a medicação.
Os usuários muitas vezes preferem tomar o remédio por mais tempo, com medo de enfrentar problemas em momentos-chave da vida, como a realização de provas ou a apresentação de projetos no trabalho.
“A depender das respostas aos protocolos, costumamos tentar uma retirada em até um ou dois anos. É difícil que o paciente tenha a segurança psicológica para dizer: ‘Estou pronto, não preciso mais’. Até porque o antidepressivo faz um controle, mas não altera a situação que levou aos gatilhos da depressão. Se a pessoa não faz terapia e segue no mesmo modelo de vida anterior, ela dificilmente vai conseguir deixar os medicamentos”, completa Paula Dione.
Os médicos ouvidos pela reportagem também refutam o mito de que antidepressivos aumentam o risco de demência em seus usuários. Na realidade, o medicamento costuma ter o efeito contrário: fornecem maior vigor e durabilidade aos neurônios e retardam o aparecimento do declínio cognitivo.
Um exemplo disso foi o estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que demonstrou que a fluoxetina minimiza perda de memória causada pela depressão. A pesquisa foi publicada em 2020 na Translational Psychiatry, revista vinculada à Nature.
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