Vivi Seixas tinha apenas oito anos quando seu pai faleceu. Em suas lembranças, ela guarda a memória de um pai carinhoso, “que gostava de criar personagens e contar historinhas”.
Outra lembrança marcante é da barba. “Lembro muito da barba dele, que isso é uma coisa que eu não esqueço jamais. Minha mãe dizia que meu pai pegava a minha mãozinha quando eu era pequenininha, botava na barba dele e falava pra minha mãe: ‘pra ela nunca esquecer de mim!’ E eu nunca esqueci, isso me deixa muito emocionada”, contou, em reportagem para a Agência Brasil.
“Até hoje eu sinto meu pai muito presente. Faz 35 anos que ele se foi, mas não tem um dia que eu passe na minha vida que alguém não fale de Raul, ou que eu não entre num táxi e esteja tocando Raul, ou que eu passe numa banca de jornal e não tenha um adesivo do Raul. Não tem como esquecer, ele está muito vivo dentro de mim”.
DJ e produtora musical, Vivi Seixas é filha do “maluco beleza”, da “metamorfose ambulante”, do “eu sou”: o poeta, cantor, compositor e pai do rock brasileiro, Raul Seixas (1945-1989). Ele foi o escolhido para ser homenageado na edição deste ano da Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), que teve início ontem (7) em Salvador.
Já a filha foi a convidada especial do show que abriu o evento na noite de ontem, em um palco montado no Pelourinho, em frente à Fundação Casa de Jorge Amado, onde imagens do pai foram projetadas, iluminando o casarão.
“Eu tinha 8 anos de idade quando meu pai faleceu. E gostaria muito de ter convivido mais tempo com ele. Mas eu tenho muitas lembranças de um pai muito carinhoso, muito divertido e que gostava de criar personagens pra mim e contar historinhas. Acabei de tocar [na Flipelô] e estou muito emocionada em prestar essa homenagem a ele, na terra dele”, contou ela.
Após o show que fez na Flipelô, Vivi acabou se recordando de um show em que ela, ainda pequena, viu seu pai tocar no Maracanã, no Rio de Janeiro.
“Acho que era Natal, uma festa que tinha o Papai Noel. Lembro que eu era pequenininha gritando, ‘papai!’, quando ele apareceu [no palco]”.
Sacudir o mundo
A homenagem feita a Raul Seixas na Flipelô, evento do qual também participa a mãe de Vivi, Kika Seixas, antecipa as celebrações dos 80 anos de nascimento do músico, em 28 de junho de 1945. Segundo Vivi Seixas, em 2025, a expectativa é de realizar o “maior tributo” já feito a seu pai: o Baú do Raul.
“O Baú do Raul é um tributo que acontece desde 1993. Minha mãe que começou com esse tributo, onde vários artistas importantíssimos cantam Raul. E queremos fazer o maior de todos, de graça, aberto ao público aqui em Salvador.”
A ideia é celebrar o legado do pai do rock brasileiro. “Meu pai simplesmente foi um dos maiores compositores e artistas que esse Brasil já teve. Sei que eu sou suspeita pra falar, mas tá pra nascer um cara igual a ele. O que eu acho muito legal de Raul é que ele atinge da criança ao idoso, de todas as classes sociais, de todos os estilos musicais. Quando eu venho aqui pra Salvador, quando eu circulo no meio do hip hop, a galera gosta de Raul. Quando vou no samba, no reggae, todo mundo curte Raul. Ele é muito respeitado por todas as tribos”, disse a DJ.
Início, fim e meio
Raul Seixas teve uma carreira curta, que durou apenas 26 anos. Neste período, lançou 17 álbuns que definiram o rock nacional. “O Raul aparece ali no final dos anos 60 e se consagra como compositor, cantor e performer. Como ele mesmo falou, ele não se considerava cantor e compositor. Ele dizia que usava a música para dizer o que pensa. Acho que tem uma ironia nisso, né? Os baianos são muito irônicos”, contou o músico Charles Gavin, do Titãs, convidado para mediar uma mesa sobre o Maluco Beleza na Flipelô.
Em conversa com a reportagem da Agência Brasil durante a abertura da festa literária, Gavin afirmou que uma das grandes heranças de Raul é ter pulsado tanto no rock quanto na música brasileira como um todo.
“Embora ele usasse o discurso do rock and roll, de toda a idolatria que ele tinha por Elvis e outros nomes dessa geração da música norte-americana, ele nunca tirou o pé da música brasileira, especialmente da música produzida pelo Nordeste. Quando ele se lança como compositor com Let Me Sing My Rock ‘N’ Roll, essa é uma música que é metade rock e metade baião”, conta Gavin.
“Desde o princípio – e eu acho que até o final da sua carreira – ele sempre se propôs a se colocar dessa forma: ele era uma cria do rock and roll, mas também uma cria da música brasileira. Acho que esse é o grande recado que ele deu e que algumas pessoas até hoje parece que não entenderam.”
Gavin diz que essa característica de Raul influenciou diversas bandas e músicos brasileiros. “Ele era um cara muito polêmico e contraditório. Ao mesmo tempo em que ele dizia que amava esse período dos Estados Unidos, ele se colocava como um brasileiro e não como uma pessoa que só queria repetir ou reproduzir a linguagem que estava ali. Ele procurou uma linguagem para a música brasileira. Assim como os Novos Baianos também fizeram isso, como os Mutantes fizeram isso e como a minha geração, do rock brasileiro dos anos 80, também procurou fazer isso e de certa forma conseguiu”.
Metamorfose ambulante
Raul Seixas morreu em 1989. Mas suas músicas e seu pensamento continuam muito atuais, com plateias de shows clamando, até os dias atuas: “Toca Raul!”
“Meu pai continua mais vivo do que muitos vivos. As músicas dele continuam muito atuais e eu acho que o segredo é que ele falou de uma forma tão profunda mas, ao mesmo tempo, de uma forma muito simples, que todo mundo consegue entender”, conta Vivi Seixas.
Para Charles Gavin, o legado do Maluco Beleza ultrapassa as canções que escreveu. “[Ele continua] assustadoramente atual. Se o Raul estivesse aqui hoje, na nossa frente, o que ele diria, por exemplo, das redes sociais, o que ele diria da manipulação digital feita através das fake news? E mais, o que ele diria da chegada da inteligência artificial? Eu acredito que ele já falou sobre isso, a gente que não pescou, que não entendeu”.
“Raul já falou [na música Metrô Linha 743] que o cérebro é servido num prato, ‘um cérebro vivo à vinagrete’. E o que acontece com essas fake news é exatamente isso, né? Uma manipulação digital de reconfiguração da nossa intelectualidade, da nossa mentalidade. Se a gente pegar os textos dele, você vai ver que ele já estava falando de coisas que viriam anos depois. Mas os futuristas são assim, os profetas são assim. Eles falam de um jeito e 100 anos depois é que você entende. O Raul tinha um pouco isso, de profeta e de futurista”, acrescentou.
Para os que querem entender o presente ou visualizar o futuro, Gavin deixa o recado. “Esse é um bom momento pra gente analisar os textos do Raul agora e comparar com o que estamos vendo no mundo”.
agenciabrasil
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