Nos Olhos de Cronos a certeza de que a vida dos mortais é breve e em um exame de vista, quando menos esperarem, nem verão direito e estarão sendo engolidos pelo caos.
Pupilas dilatadas, dois oceanos em profunda escuridão. Uma sensação estranha de excesso de luminosidade, claridade que embaça tudo à nossa frente.
A enfermeira oftalmologista diz, relaxe, encoste o queixo nessa base e oberve esse X verde na tela. Uma espécie de luz ultra branca é disparada contra sua córnea e tudo vira uma complexa escuridão caótica.
Um universo ocular com ondas, feixes e fluxos energéticos em profusão de cores, córneas, iris, pupilas, cristalinos, retinas, nervos ópticos, esclera, máculas lúteias e humores vítreos resumem esse espetáculo que é a ilusão visual do mundo em nossa volta.
O olhar embaçado reflete essa vista cansada e preocupada com os desmantelos do mundo. Um olhar 6.0, ruim para longe, pior para perto. Reflexos de pelo menos 60 anos de vida, ócio, trabalho e estudos formais em ensino e aprendizagem.
Da luz de candeeiro, querosene e pavio de algodão dos primeiros anos de “Ditadura Militar” e estudos, as atuais luzes tecnológicas de LED Made in China. Das folhas paltadas de caderno, as telas de tubo, até as finas telas de cristal líquido, tudo em um acumulado vai e vem de quem enxerga as superfícies do mundo material e imagina outros mundos fractais.
Pupilas dilatadas, delatando uma idade sob novos e maiores graus para perto e ou para longe, sob novos pontos de vista, pois já não vemos mais as minúsculas coisas do mundo como antes.
Pupilas dilatadas são delatoras de possíveis glaucomas, cataratas e cegueira da diabetes, entre outros males da visão embasada pela dilatação pupilar. Esperamos que nada disso nos atinja em cheio.
Pupilas dilatadas revelam que, para além dos novos graus, ainda está tudo bem, nada de sustos ou sobressaltos nesse mundo de excessivas telas a poucas distâncias. Mas os cuidados e alertas do habilidoso olhar oftálmico foram feitos.
Agora é enfrentar os donos das óticas e suas vendedoras bem treinadas para te oferecer o melhor e mais caro. Primeiro as grandes marcas de armações e lentes cheias de películas anti reflexos, UHV e multifocais, depois continuar a te oferecer outras vantagens igualmente caras.
Tudo aos olhos da cara, ao vivo e a cores, com testemunhas oculares e as vistas. Você nem sente direito e chega: água gelada, cafezinho gourmet, sorvete, picolé e até pequenas taças com licor, conhaque, champanhe ou whisky.
Depois de dezenas de provas, armações de arames, resinas, aço, carbono e/ou titânio, tudo ao gosto do freguês, finalmente você encontra o que melhor lhe veste a face enrugada.
A vendedora, com a sua auxiliar imediata, atuam pensando no gosto do cliente, vão tecendo uma “Teia de Ariadne” ao redor do balcão espelhado. Uma fila de armações sob medida, das modas, tendências e gostos, outras refugadas pelo desinteresse do futuro rosto.
Não olhar as etiquetas de preços na perna dos óculos, antes de depositar a prova na cara é a maior armadilha, pois aqueles que se encaixam melhor, são sempre os mais caros da loja.
Quero aproveitar a minha armação antiga, pois é perfeita e ainda se encontra em excelente estado de conservação. Mas a velocidade de argumentos da vendedora que vai tentando nos convencer em mudar, revovar essa vestimenta, novos ares, pois os óculos são a moldura da face.
Não cair nessa lábia é muito difícil, pois a tentação é maior que a maçã nos lábios de Eva ou Lillithi. Mesmo assim, consegui escapar com vida. Mas, em novas artimanhas, ela conseguiu me convencer de vários novos filtros e tecnologias na nova lente que a “preço de ouro” ficou quase uma coisa pela outra.
A vendedora disse para não me preocupar, pois a ideia era simples, tudo seria facilitado em 12 vezes sem juros, nem correções. Perguntei como assim, se as taxas de juros do banco central estavam em 9,75 com lentes vindas da Europa, Japão ou Estados Unidos?
A vendedora rápida como uma linse, disse, será tudo dividido em parcelas iguais e sem acréscimo. Ela estava certa, mas eu sabia que os juros estavam bem embutidos em cada um daqueles 4,5 graus para perto e 1,75 graus para longe.
Para concluir essa saga de um melhor olhar, a danada da vendedora, com a calma de uma monja budista do Himalaia e a sagacidade de uma guepardo fêmea, me veio com o “pulo do gato”.
Era 5% de desconto à vista, ou uma promoção de outra lente da mesma para um óculos reserva. Duas lentes pelo preço de uma. Eu poderia trazer uma armação antiga ou comprar outra mais barata. Que tentação dos infernos das cuias.
Agora eu poderia ter mais do mesmo e, a vendedora de novos horizontes, ainda jogou uma “pitada de pimenta malagueta” na conversa: “- óculos é assim, quem tem um, não tem nada e quem tem dois, sempre tem um!”
Gota serena!!! Isso entrou como uma flecha na iris do meu olhar. Ela tinha razão, esse sempre foi meu maior medo. Ficar por semanas sem os óculos, perder esse bem precioso que já faz parte de minha condição pós-moderna de ciborgue, sempre foi meu maior trauma.
Como já estava definido que usaria minha antiga armação, lá vamos nós, na busca de uma armação mais barata e que fosse capaz de aguentar os trancos do cotidiano, pois os óculos já são partes de minha persona e alma de viajante cósmico.
Até sonhos já me ocorreram, em que, me desesperava porque não estava com meus óculos. Quem usa sabe o que é óculos-dependência para perto e para longe, para ambientes ensolarados ou salas com iluminação artificial.
Para fechar a nota ao final das contas, o brilho no olhar da vendedora de sonhos e, a minha satisfação em corrigir mais alguns graus de miopia e estigmatismo.
Para compensar as córneas usadas como pagamento, no finalzinho das compras, a astuta mercantilista, me trouxe uns quatro modelos de óculos de Sol para escolher um como brinde da loja.
Pensei, essa danada sabe negociar e saí da loja com um olhar liso no rosto, mas com um sorriso de agradecimento nos olhos, que em breve receberam os devidos ajustes oftálmicos.
A moral dessa história é a lógica imoral de como o capital nos explora, até a última gota de “humor vítreo”, termo científico da oftalmologia para lágrimas nos olhos.
Por Belarmino Mariano. Fragmento de Fotografia de Luisa Mariano.
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