Essa frase ficou presa em minha mente, como garranchos que se prendem às margens do rio e vão prendendo lixos humanos e acumulando mais do mesmo, como sacolas e garrafas plásticas.
Ele era um homem magro, de meia idade e maltratado pelo tempo na rua.
Suas roupas eram trapos sujos e o sapato surrado, era bem envelhecido pelo tempo na rua.
Ele estava sentado em um banco verde da praça onde sempre faço caminhada e, por acaso o cumprimentei de passagem.
Como quem queria conversar ou desabafar, pedindo um pouco de atenção. Falou assim de supetão -“Eu sou um morador de rua!”. Então parei e demonstrei interesse pela frase enfática. Aí respondi com um sim, demonstrando que entendia aquela realidede.
Ele queria contar o que o levou a ser um morador de rua, contarva sua história aparentemente desastrosa e real.
A cachaça, o desemprego e a fraqueza de um homem ignorante, que perdeu o convivio familiar. Mas antes de tudo isso, a pobreza impediu que tudo desse certo.
Mas agora não era mais tempo para lamentar, tinha que viver, pois a vida como ela é, só se vive uma vez.
Ele disse que a vida nas ruas é difícil, a incerteza é tudo o que se tem, tudo é provisório, tudo é improvisado e quando não chove, o vazio da rua aumenta ainda mais, pois quando chove, a força da água preenche a noite, com o vendável e o barulho nos telhados das lojas.
Na medida em que a noite se aprofunda, a cidade parece que não é de mais ninguém, a não ser dos gatos, cães e humanos que perambulam pelas ruas, rasgando sacos de lixo, enquanto armam confusões por restos de comida.
Como os lugares para dormir, são bancos de praças e batentes de lojas forradas com papelão, dormida dura e insone, sua preferência é caminhar pelo centro da cidade, como um observador de si mesmo, um explorador do frio, como alguém que na solidão, escuta o barulho dos poucos carros e das poucas motocicletas que ainda circulam roncando ruidos de motores que pertubam o silêncio.
Confessou que não conseguia entender o mundo, que não sabia dar conselhos, mas as noites e dias sempre eram muito difíceis para ele.
Os olhares e as desconfianças das pessoas lhe perturbavam, mas existiam aquelas caridosas, em meio a fome de quase todas as noites.
O mundo é injusto e a presença de Deus que nunca sentia, lhe colocava nas preocupações de ser um profundo pecador.
Mas disse que sempre faz um exame de consciência e que não faz sentido, pois nunca matou, nem roubou, e em um certo momento, a perda da família e a brutalidade em ser homem, não tem mais volta.
Ele disse que não se arrependia de quase nada, e se tivesse que se arrepender, não saberia de quê!? A vida nem sempre é justa ou razoável. Perder e ganhar é uma questão de sorte, mas também de azar, que só se sabe depois.
Ele insistiu em dizer, -“Eu sei que sou morador de rua, mas não sou o único, sei que é difícil demais, e o pior é não ter onde tomar um banho ou fazer necessidades simples”.
Na rua é preciso ficar sempre à espreita, pois as coisas ruins acontecem e chegam como em um milagre. Álcool, drogas e confusões banais estão onde menos se espera.
-“Somos como cães abandonados e agimos como cachorro abandonado ou fugindo de casa”. Ele se referia ao centro da cidade, as portas das padarias, restaurantes e lanchonetes. Além
dos pontos para as sacolas de lixo. -“São lugares certos, mas nunca sabemos o que iremos conseguir encontrar”.
Ele agradeceu pelo cumprimento de bom dia no começo de tudo e por ter ouvido sua história, disse que não valia a pena lamentar o que não se conseguiu na vida.
Fui em minha carteira e lhe ofereci dez reais para o primeiro café do dia. Nos despedimos e essa frase ainda movimenta meus pensamentos.
Isso já faz uns dias e até então, ainda não o encontrei novamente.
Ao padre Júlio Lancellotti e aos que estão em situação de rua. Que o poder público em Guarabira crie abrigos com higiene, jantar e dormida, pois as noites são difíceis.
Por Belarmino Mariano
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