Desembargador que ligou Lula ao CV vira alvo por tráfico de influência

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encontrou muito mais do que fake news e manifestações políticas na apuração feita sobre o desembargador Marcelo Buhaten, do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ). O magistrado está sob suspeita de atuar informalmente como advogado, despachar em processos cuja advogada é sua cunhada, madrinha de casamento e advogada pessoal e atuação parcial em um processo milionário.

O órgão decidiu abrir uma investigação formal sobre Buhaten e só não determinou seu afastamento porque ele tirou licenças e férias até quase a metade de 2024.

Buhaten se notabilizou por apoiar abertamente o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas redes sociais. Também o acompanhou em uma viagem a Dubai, nos Emirados Árabes, e acabou tendo as redes sociais suspensas pelo CNJ por divulgar fake news sobre Lula — em uma delas, associou o petista ao Comando Vermelho (CV) — e se manifestar politicamente a favor de Bolsonaro.

O gabinete do desembargador foi alvo de uma correição feita por juízes e servidores da Corregedoria Nacional de Justiça. Na diligência, houve acesso ao seu computador de trabalho e ao acervo de processos. Além de manifestos políticos, como a redação de uma nota em que questionava a integridade das urnas eletrônicas, outros documentos chamaram atenção do CNJ e complicaram ainda mais a situação do juiz.

Em arquivos de texto encontrados com o magistrado, estavam, por exemplo, peças de advocacia elaboradas em 2012, depois da entrada de Buhaten para o TJRJ, em vaga do quinto constitucional do Ministério Público. Havia, por exemplo, pedidos em formato editável em nome do ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão (MDB), referentes ao arremate em leilão de um imóvel.

A correição também identificou que não havia qualquer anotação automática para que o desembargador ficasse impedido de julgar ações que tenham sua cunhada como advogada da parte. Ela também é advogada pessoal e madrinha de casamento do magistrado. Esta parte da investigação ainda terá de ser aprofundada. O CNJ identificou clientes da advogada em ações no gabinete de Buhaten, mas deve apurar se, de fato, houve atuação dela nos autos, ou fora deles.

Nos arquivos do computador do desembargador foi encontrada também uma mensagem enviada por outro desembargador, Guaraci de Campos Vianna, para que ela decidisse a favor de um amigo em um processo. Buhaten acabou negando o pedido, mas chamou a atenção dos responsáveis pela correição a naturalidade com a qual o pedido foi feito.

O colega pede a Buhaten para que olhe com “especial atenção” a “viabilidade de rever sua posição” em um agravo e “dar provimento”. “Eu sei que sua análise anterior deve ter sido criteriosa, mas, às vezes, numa bola dividida… Mas fique tranquilo em negar, pois estou apenas fazendo o que prometi fazer que é falar contigo. Qualquer que seja o resultado, agradecemos antecipadamente. Obrigado e amigos sempre”, disse Vianna.

Em outro caso, uma ação de cobrança de R$ 32 milhões, foi identificada uma conduta parcial do desembargador, que teria atraído para si, de forma indevida, a competência, suspendeu o processo por mais de um ano e ainda decidiu de ofício — ou seja, sem que tivessem pedido no processo — em benefício a uma das partes. Há suspeita de que ele tenha violado sua imparcialidade e o CNJ deve aprofundar a investigação sobre o caso.

Buhaten só não foi afastado do cargo porque ele informou ao CNJ que tirou férias e licenças que vão até maio de 2024. No entanto, o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, afirmou que seria o caso de afastamento do magistrado. O ministro deu ênfase na expressiva atuação do desembargador nas redes sociais em compartilhamento de publicações a favor de Jair Bolsonaro, além de manifestações em temas de interesse do ex-presidente.

O corregedor defendeu a quebra do sigilo bancário de Buhaten e apontou a necessidade de analisar “a extensão e ocorrência das infrações funcionais” para “verificar se não se está a tratar, inclusive, de um financiador do movimento de sublevação antidemocrática”.

Durante a correição, Buhaten negou ter julgado causas de sua cunhada e disse que a falta de anotação de suspeição sobre ela, assim como fez com outros parentes, se deu por um “lapso formal”. Ele admitiu a amizade com o ex-ministro Edson Lobão, e que adquiriu junto do emedebista o apartamento em leilão antes de virar desembargador. Disse ainda que um dos documentos, assinado depois de ir para o TJRJ, contém uma “deficiência redacional”, e que não atuou como advogado no exercício do cargo.

O desembargador também disse à Corregedoria que não se lembra do pedido do outro desembargador para mudar entendimento em um processo para atender um amigo, e que julgou contrariamente aos interesses da parte. Ele ainda negou a atuação político-partidária.

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