A responsabilidade pela viagem da “Dama do Tráfico do Amazonas” para Brasília (DF), paga com dinheiro público, se transformou em um jogo de empurra-empurra.
O Ministério dos Direitos Humanos disse que o nome de Luciane Barbosa, ligada ao Comando Vermelho (CV), foi indicado pelo Comitê Estadual de Combate à Tortura do Amazonas (CEPCT-AM).
Já o governo do Amazonas, por meio de nota da Secretaria de Estado de Justiça, jogou a responsabilidade no colo de Natividade Maia, advogada e presidente interina do CEPCT-AM, que é composto por diferentes entidades, além do governo.
Luciane entrou no Comitê Estadual e acabou tendo uma viagem paga com dinheiro público para um evento do Ministério dos Direitos Humanos, em Brasília.
“Publicamos os nomes no Diário Oficial. O estado do Amazonas tem 17 membros no comitê e não se manifestou. E, agora, querem um bode expiatório”, reclamou Natividade. A advogada garante que não sabia da investigação sobre uma relação entre Luciane e uma facção criminosa. “A investigação era segredo de justiça, como eu ia saber? Como que todo mundo ia saber?”, questionou Natividade de Maia.
Reunião em Brasília
Luciane representou o Amazonas no Encontro de Comitês e Mecanismos de Prevenção e Combate à Tortura, que aconteceu entre os dias 6 e 7 de novembro em Brasília.
Para entender como o nome dela acabou sendo indicado para a viagem, é preciso voltar alguns meses. O Comitê Estadual de Combate à Tortura do Amazonas abriu 12 vagas para a participação de organizações de direitos humanos. Após um edital (processo seletivo), em agosto, apenas cinco instituições conseguiram ocupar essas vagas, entre elas o Instituto Liberdade do Amazonas, presidido por Luciane, a “Dama do Tráfico”.
Acontece que, segundo investigação do Ministério Público do Amazonas, esse Instituto é financiado com dinheiro do Comando Vermelho. Luciane é esposa de uma liderança da facção criminosa, conhecida como Tio Patinhas. A presença de Luciane em reuniões com membros do governo federal foi revelada primeiro pelo Estadão.
“Eu conheci a Luciane por ocasião do edital. Eu não a conhecia, nem o marido dela. Já tinha ouvido falar desse Tio Patinhas, mas o nome mesmo não conhecia. O que eu soube, agora, é que essa investigação [contra Luciene] está em segredo de justiça. Se está em segredo de justiça, como eu ia saber? Como que todo mundo ia saber?”, defende Natividade Maia.
Certidão negativa
A presidente do CEPCT-AM explica que o Instituto Liberdade do Amazonas foi aprovado no processo seletivo porque atendia os requisitos exigidos, inclusive apresentando certidão negativa de antecedentes criminais de todos os membros do grupo.
Isso teria sido possível pois, embora Luciane tenha sido condenada em segunda instância por lavar dinheiro para o tráfico de drogas, o processo ainda está tramitando porque ela recorreu. Ou seja, a chamada Dama do Tráfico teria conseguido emitir um documento do próprio Tribunal de Justiça atestando que não tinha condenação criminal definitiva.
“Quando as pessoas se habilitaram ao edital, foram publicados os nomes no Diário Oficial. A Seap [Secretaria de Administração Penitenciária] é membro do comitê, o Ministério Público é membro do Comitê. Por que eles não disseram ‘olha, investigamos que esse instituto aqui recebe dinheiro do tráfico’? Não, ninguém apareceu, ninguém impugnou, sendo que o Estado do Amazonas tem 17 membros no Comitê e não se manifestou. E agora querem um bode expiatório. É complicado”, questiona Natividade.
Momento da indicação
Quando o Ministério dos Direitos Humanos disponibilizou uma passagem aérea para um representante do Amazonas para o evento em Brasília, o nome de Luciane acabou sendo o escolhido para a viagem, mesmo ela ainda não tendo sido nomeada para a vaga no Comitê em Brasília.
Segundo Natividade, houve aval do Ministério dos Direitos Humanos para a compra da passagem, mesmo após explicar que ela ainda não tinha sido nomeada. O MDH disse em nota que os integrantes do encontro foram “indicação exclusiva dos comitês estaduais”.
A presidente do CEPCT-AM disse ainda que foram dois critérios para a escolha da pessoa que iria a Brasília com a passagem paga pelo governo federal: ser de uma instituição que nunca tinha participado do evento e que a preferência fosse dada aos titulares da vaga, ao invés dos suplentes.
O nome de Luciane teria sido o único que atendeu a esses critérios, de acordo com Natividade, já que outros titulares que nunca tinham viajado não teriam disponibilidade.
Natividade participou do evento em Brasília com os custos pagos pela Ordem dos Advogados do Amazonas (OAB-AM). Ela disse que presenciou algumas falas de Luciane sobre revistas vexatórias em crianças, filhos de presidiários.
Em nota, a Secretaria de Justiça do Amazonas informou que questionará a manutenção de Luciane como parte do comitê.
Reuniões e fotos
Não era a primeira vez que Luciane, a “Dama do Tráfico”, participaria de encontros com autoridades em Brasília. Ela chegou a se reunir com secretários do Ministério da Justiça para falar sobre demandas no sistema prisional.
As reuniões foram reveladas pelo Estadão e causaram uma crise na pasta de Flávio Dino, que nega ter participado de qualquer encontro com ela. As regras para receber visitantes no ministério se tornaram mais rígidas.
O secretário de Assuntos Legislativos do MJ, Elias Vaz, assumiu o erro e disse ter marcado uma reunião com a ex-deputado estadual do Psol Janira Rocha, que levou mães que tiveram filhos assassinados e pediam por justiça. No entanto, no dia da reunião, Luciane esteve presente como acompanhante de Janira.
Diante das pautas de Luciane relacionadas com sistema prisional, Elias Vaz articulou uma reunião dela com o secretário de Políticas Penais, Rafael Velasco. Durante os dias que passou em Brasília, Luciane tirou fotos com parlamentares.
Devido à repercussão da existência dessas reuniões com uma pessoa ligada ao CV, começaram a pipocar notícias falsas vinculando o governo Lula a facções criminosas. O presidente Lula se manifestou em defesa de Dino e disse que há “ataques artificialmente plantados”.
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