Com exceção do patriarca, uma família inteira do interior de São Paulo, que pediu anonimato, admitiu estar viciada em apostas on-line, em particular no famoso Jogo do Tigrinho.
“Acaba sendo um divertimento. Vira e mexe tem uns ganhos bons. Qualquer dinheirinho que sobra, [a gente] está lá fazendo aposta. A gente perde, mas de vez em quando ganha”, disse um dos integrantes da família.
O apostador, contudo, acredita que como a família não gasta muito, o hábito coletivo não configura exatamente um vício. “Mas ninguém é viciado [de gastar milhares de reais]. O pessoal aqui joga com pouquinho”, disse. Por fim, reconheceu: “Mas não deixa de ser um vício né? Ai que horror”.
Populares entre os brasileiros, jogos que funcionam como uma espécie de cassino on-line são ilegais no país por infringirem a Lei de Contravenções Penais. O Jogo do Tigrinho, por exemplo, simula um caça-níquel e ficou famoso por prometer ganhos fabulosos.
A promessa de prêmios, no entanto, dificilmente se concretiza e os apostadores, desesperados, se endividam cada vez mais para tentar recuperar o dinheiro perdido.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a considerar, em 2018, o uso abusivo de jogos eletrônicos uma doença. O hábito desenfreado de apostar promove, segundo a entidade, prejuízos físicos, psicológicos e inter-relacionais. Não raro, a jogatina on-line vira caso de polícia, com altas perdas financeiras e, como se vê pelas estatísticas, da própria vida.
“Isso vai explodir”
O psiquiatra Aderbal Vieira Júnior afirma que o perfil dos “jogadores patológicos” está mudando por causa das novas plataformas oferecidas pela tecnologia. No passado, segundo o especialista, o problema eram as corridas de cavalo. Depois, os bingos e agora, com a internet, os cassinos on-line.
Ele destaca que, com a legalização das apostas por meio de palpites esportivos, as chamadas casas de Bet se multiplicaram no país. Caso os jogos de azar sejam legalizados, como prevê um projeto de lei que tramita no Senado, o médico alerta para o risco de uma epidemia de viciados em jogatina.
“Isso vai explodir. A dependência em jogos de azar vai sair de controle. A cada semana vai aparecer uma casa de apostas diferente”, projetou o psiquiatra, também responsável pelo ambulatório de tratamento de dependência de comportamento do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) do Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Vieira Júnior acrescenta que, no caso do vício em jogo, o doente acredita que a origem de seu problema também seja a solução. “A pessoa continua jogando após perder, com a desculpa de que ainda pode ganhar, que pode recuperar o que perdeu. Aí, aposta pesado, acreditando que irá ganhar pesado”.
Sinal vermelho
A situação de risco, afirma o psiquiatra, sustenta o “efeito base” de prazer do jogador, produzido pela sensação decorrente da dopamina.
O sinal vermelho, pontua ele, é quando o apostador começa a contrair dívidas, perde noites de sono jogando, diminuindo seu desempenho no trabalho e nos estudos.
“O grande impacto imediato do jogador patológico é a questão financeira. Isso ocorre de forma precoce, é um grande sinal de que alguma coisa está errada.”
Apesar do sintoma evidente, o especialista explica que, para não sentir que jogou fora sua dignidade, única coisa que acredita ainda lhe restar, o apostador segue jogando, com a esperança de recuperar o dinheiro que perdeu. “É um momento de humilhação pessoal, admitir que teve o prejuízo. Leva tempo para admitir isso”, diz.
Tratamento
A Unifesp oferece atendimento gratuito para pessoas viciadas nos jogos on-line, destaca o psiquiatra Aderbal Vieira Júnior.
Durante o tratamento, ele afirma que há casos em que algumas pessoas ficam com “fissura”, semelhante à de tabagistas quando ficam sem sua cota de nicotina. Isso pode acarretar momentos de irritabilidade e ansiedade.
O Proad disponibiliza um número para ajudar quem acredita estar viciado em jogo. Basta ligar ou mandar mensagem para (11) 99645-8038.
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